29 jan
Um olhar sobre a primavera
Há uma semana mais ou menos comecei a esboçar sobre o que escreveria neste meu primeiro texto para o blog do Instituto Ecofuturo. Naquele dia as Sibipirunas estavam me chamando muito a atenção. A Sibipiruna é muito utilizada na arborização de São Paulo, cidade onde moro. É uma árvore de grande porte, com a copa arredondada e casca grossa formando placas que se encaixam, de cor marrom-acinzentado escuro. Estamos no auge da primavera e muitas Sibipirunas estavam floridas. Elas não perdem as folhas quando florescem, mas eram tantas flores amarelas que formavam verdadeiros campos dourados no céu. Nem dava para ver as folhas, em algumas delas. As flores vão despontando e se abrindo para esse momento de intensa reprodução que é a primavera. As que nasceram primeiro vão caindo no chão com a mais leve brisa, formando tapetes também dourados que aos poucos – mas bem rápido – se tornam de cor caramelo e logo marrom, decompondo-se. Aqui em São Paulo a primavera começou bastante chuvosa e um tanto fria e estou achando que as flores estão caindo muito rapidamente.
Conforme fui observando as Sibipirunas nas minhas andanças pela cidade percebi que umas florescem antes que outras, e que há variações de uma para a outra. Fiquei com a impressão que essas variações não são relativas aos microclimas diferentes dos diversos bairros da cidade, como eu tinha anteriormente imaginado, mas que são da própria expressão de cada árvore. Realmente, cada árvore tem uma forma, (tanto do caule, como da copa) muito diferente da outra, apesar de terem as mesmas características gerais por serem da mesma espécie. As flores formam cachos de cor amarela com um “topete” marrom na ponta, e outras, ainda no início da floração, formam cachinhos bem arredondados e o “topete” não fica visível. Inicialmente pensei que eu poderia estar confundindo duas espécies. Mas depois vi que não, são variações da floração. Algumas delas têm um jeito bem especial de florescer, em apenas uma região da copa.
No meio da semana viajei para Bebedouro, uma cidade do interior paulista. Lá as Sibipirunas também estavam floridas, mas se expressavam de uma maneira muito diferente das de São Paulo. Tinham muitas delas ao longo das diversas estradas pelas quais passei. Todas elas tinham uma copa mais esférica, e estavam com muito mais flores. Parecia que tinham florescido um pouquinho depois das de São Paulo. Lá vi também outras árvores com floração amarela, como a Tipuana e o Guapuruvu, que estavam simplesmente escandalosamente belos. Aqui em São Paulo as árvores acabam ficando com as copas meio irregulares, devido às podas que são feitas para não comprometerem a fiação elétrica. Outras vezes elas ficam meio “desequilibradas” pois são tão grandes e apoiam-se num pedaço muito estreito da calçada. Em alguns casos o cimento do calçamento vai até o contorno do caule, não deixando nem uma brecha de terra para entrar água. Com isso a árvore cresce fazendo movimentos para se equilibrar.
Voltei da viagem à noite e não foi possível observar as árvores. Durante aquela noite e no dia seguinte de manhã choveu bem forte. Quando saí já quase não tinha mais flores nas Sibipirunas que eu tinha observado; elas estavam no chão e já bem amarronzadas. O mesmo aconteceu com as Tipuanas que estavam sempre próximas às Sibipirunas.
Hoje de manhã, voltando da feira – felizmente aqui perto tem uma feirinha orgânica muito bacana – me deparei com uma representante foco da minha observação bem na entrada da vila onde moro. Como pode ser que eu nunca a tinha visto? E ela está toda amarela, linda com seus cachos de flores com a ponta marrom. As flores dela estão caindo aos poucos.
As árvores, assim como nós, se expressam cada uma a seu modo e a cada ano de um jeito. Elas se desenvolvem e estão num processo permanente de transformação. A cada momento estão preparando o novo passo. Todos os seres vivos estão, ao se desenvolver, permitindo que o ambiente direto e indireto com o qual interagem, se expresse. Um é expressão do outro. Uns somos expressões cada vez mais elaboradas dos outros. Mas é muito bom observar as árvores, pois elas não saem do lugar e nos permitem tê-las como referência para o nosso próprio desenvolvimento.
Talvez você, que chegou até o final deste texto, esteja se perguntando qual a importância de se observar as árvores da cidade em que vive? Com tantas coisas que temos que fazer, por que perder esse tempo com elas? De minha parte, posso te dizer que não consigo conceber a minha existência sem a delas. Elas me ajudam a descobrir, cada vez com mais detalhe, quem eu sou. Como elas não têm “crises de identidade” nem outro tipo de preocupação, elas simplesmente são. E esse estado em que elas vivem, que é anterior ao do pensamento, é um estado comumente adormecido em nós, e que, sem despertá-lo, não estaremos expressando com plenitude aquilo que somos.
Muito mais importante do que saber sobre os seres vivos, é prestar atenção neles. É na observação dos detalhes sutis das variações individuais que encontramos as indicações sobre onde estamos em nossa jornada individual. Não nos é dado saber com exatidão de onde vivemos e para onde vamos. Pelo menos por enquanto (acho!). Mas existe dentro de nós a possibilidade de saber muito bem onde estamos, prestando muita atenção nos outros seres com os quais compartilhamos nossa temporada de vida. Eles são os nossos melhores espelhos!
Autora: Rita Mendonça