02 set
« Plantação » de bibliotecas no Maranhão !
Estou há muito tempo na estrada de apoiar a implantação de bibliotecas abertas à comunidade por meio de articulação intersetorial e ampla participação das comunidades para me espantar com a descoberta de que Brasil adentro tem gente que faz acontecer todos os dias para abastecer esta geração de leituras. É gente que sabe que a capacidade de ler, escrever e argumentar com gosto e competência é fundamental para interagir no mundo e agir de forma consciente e responsável.
Semana passada atravessei os cerca de 2.300 km que separam São Paulo de Imperatriz, no Maranhão, para falar com gestores públicos de 9 municípios da zona rural sobre a campanha “Eu quero minha biblioteca” e o que eu vi foi…espantoso. Teve gente que viajou 8 horas Maranhão adentro para falar sobre …..biblioteca!!!! Já ouvi várias vezes que as carências são de tantas ordens no território da educação pública que seria um luxo pensar em bibliotecas em todas as escolas, como determina a Lei 12.244/10. Mas o entendimento de quem trabalha com educação Brasil adentro revela o contrário.
A melhora das estatísticas de acesso à leitura e indicadores de letramento depende profundamente da participação das coletividades locais e exige boa comunicação entre governo e comunidades, para que se garantam políticas apropriadas, aceitas e adotadas pelas pessoas, com efeitos sensíveis no dia-a-dia. E foi exatamente o que vi : trabalho sendo feito, dificuldade mas desejo de aperfeiçoar, gestores conscientes dos desafios e das oportunidades bem às margens do Tocantins !
Durante uma manhã falamos com secretários de educação, vice-prefeito, educadores e profissionais de biblioteca de Imperatriz, Açailândia, Cidelândia, Vila Nova dos Martírios, Grajau, João Lisboa, Alto Alegre do Pindaré, Urbano Santos e Davinópolis, sobre a importância de educar para a leitora e o papel da biblioteca em escola como um ambiente de estreita conexão com o projeto pedagógico e a comunidade. E também falamos sobre recursos públicos para criar e manter bibliotecas em escolas, para assegurar que tenham todas as condições para cumprir seu papel social.
Para coroar, afinal estava hospedada numa cidade cujo nome foi inspirado na passagem da imperatriz Teresa Cristina por lá, visitei uma biblioteca em escola onde ouvi de fonte direta o impacto que uma boa biblioteca em escola pode proporcionar na vida de crianças e jovens. Ouvi de fonte direta o que tenho lido em livros e ouvido em seminários nacionais e internacionais sobre os impactos da leitura e da biblioteca na vida pessoal e no desempenho escolar. Ouvi jovens disputando atenção com euforia que a gente quase só vê ultimamente e na TV quando estão diante de seus ídolos do entretenimento; ouvi de Yasmin, de 13 anos, sem que houvesse perguntado, a grande diferença entre ver uma história e ler a mesma história, e animadamente narrava e representava a diferença entre assistir passivamente e criar animadamente todo o cenário, o figurino, a vida das tramas, as expressões de felicidade e sofrimento dos personagens e perceber-se mais do que leitora, inventora de sua própria narrativa. Com a sensação de estar diante de uma cena de realidade virtual, vi no relato daquela menina aquele tipo de experiência leitora que se vive em plenitude, por associação de ideias, memórias, identificações, projeções…. projetando o autor no passado do texto e o leitor na produção do seu próprio, autoral.
É, o texto, como se diz, é o lugar do encontro. Assim é a biblioteca, a boa biblioteca, aquela biblioteca numa cidade do Maranhão rural, que reuniu Yasmim, sua irmã Fernanda, o amigo Breno e tantos outros em torno de práticas cotidianas de leituras. Tudo indica que intensificar essas práticas pode nos ajudar a ultrapassar a inércia e promover um País de leitores, escritores, cidadãos eloquentes capazes de argumentar em favor de todas as vidas: aquilo que nos acostumamos a chamar de sustentabilidade.