14 ago

Para uma biblioteca articulada

Nos últimos dois meses temos abordado em nosso blog algumas das exigências imprescindíveis ao bom funcionamento das bibliotecas, com atenção especial às bibliotecas comunitárias. Falamos de formação continuada dos profissionais, da inclusão da biblioteca ao planejamento escolar, de horários de atendimento estendidos a todos os turnos, incluindo finais de semana e feriados, de acessibilidade e do lugar da biblioteca comunitária dentro das noções de gestão pública, parceria e cooperação.

Com isso temos demonstrado que os frequentadores desses espaços são os que melhor conhecem suas necessidades relacionadas a acervo, horários de atendimento e atividades adequadas. Portanto, sendo um espaço que abriga e beneficia a todos os membros da comunidade (alunos, professores, pais e frequentadores em geral), uma biblioteca comunitária deve articular para que a comunidade seja sua aliada, confiante na qualidade dos serviços prestados e disposta inclusive a cobrar do poder público a manutenção e qualidade desses serviços.

Em entrevista recente a este blog, Fernando Burgos, nosso parceiro técnico no projeto Bibliotecas Comunitárias Ler é Preciso, afirma que, no Brasil, as bibliotecas sofrem da chamada “baixa coalizão de defesa” – ou seja, geralmente não há um grupo de pessoas dispostas a defender a biblioteca publicamente. Pensando nisso, pedimos a Burgos para redigir a cartilha Gestão Pública e Biblioteca: Parceria e Cooperação, destinada a secretários de educação, diretores de escola, coordenadores pedagógicos, profissionais de bibliotecas e ao cidadão comum, para que se aliem e saibam como garantir a sustentabilidade das bibliotecas através de recursos públicos locais muitas vezes disponíveis mas que geralmente desconhecemos.

Estar a par desse recursos e saber acessá-los é fundamental para garantir que a biblioteca seja beneficiada pelas políticas públicas, que seja devidamente contemplada pelo orçamento do município, com a devida manutenção do seu espaço e com o apoio efetivo das secretarias a que está vinculada. Além disso, a articulação com o poder público assegura a inscrição da biblioteca em todos os editais abertos pelo Governo Federal e é um canal para reivindicar cursos de formação continuada para seus profissionais.

A cartilha sobre Gestão Pública e Biblioteca pode ser baixada aqui. E se até agora só falamos de articulação em nível governamental, a articulação não governamental também deve ser levada em conta, as duas formas são complementares e, somadas, são articulações intersetoriais. Vejamos.

A intersetorialidade é a convergência de esforços de diversos setores da sociedade, governamentais e não governamentais, na busca e produção de ações que atendam às necessidades da população de forma plena. Oferecer respostas amplas às demandas dos cidadãos, através da articulação de diversos níveis de governo e de diversas áreas, é um tipo de gerenciamento que compreende o cidadão na sua totalidade e leva em conta a complexidade social em que ele se insere. Por exemplo:

 • A articulação com escolas, organizações sociais, hospitais e outras instituições garante espaços para a realização de atividades de promoção de leitura, permite divulgar a biblioteca em outras localidades e conquistar novos usuários.

 • A articulação com jornais, rádios e emissoras de TV locais permite a divulgação das ações e dos resultados. Ganhando visibilidade, faz com que a prefeitura do município volte seu olhar para a biblioteca e pode atrair possíveis patrocinadores dispostos a investir nela.

• A articulação com o comércio local é uma forma de levantar recursos e donativos para eventos promovidos pela biblioteca.

 • Tendo a comunidade aliada à biblioteca, é possível conseguir o apoio de trabalhos voluntários.

As possibilidades são infinitas. Articulação é a palavra-chave para inserir a biblioteca na vida da comunidade, fazê-la aparecer e ganhar frequentadores, apoio e investimento. Ela pode ser realizada inclusive através das mídias sociais – Orkut, Facebook, Blog, Twitter… Mas este é o assunto do nosso próximo post.

 Biblioteca que se articula ganha apoio – até de outras bibliotecas

Para a Presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia de São Paulo, Evanda Verri Paulino, as bibliotecas comunitárias deveriam estar integradas à rede de bibliotecas públicas, para atuarem de forma cooperada. “É fundamental que as bibliotecas comunitárias atuem em parceria com as bibliotecas públicas, pois dessa maneira conseguem receber apoio técnico adequado com a participação de profissionais bibliotecários que ajudariam na organização e dinamização desses espaços, agregando-lhes valor e elevando seus potenciais”, diz.

Evanda afirma ainda que a sustentabilidade financeira das bibliotecas comunitárias repousa na necessidade de se tornarem efetivamente espaços ocupados pelas comunidades que as reivindicam e se responsabilizam pela sua continuidade e manutenção, criando propostas para a sua autossustentação por meio de parcerias com instituições da sociedade civil e governamental. “A manutenção desses espaços também depende de ações técnicas continuadas e de qualidade coordenadas por bibliotecários”.

 Mãos à obra

Na última edição do Prêmio Ecofuturo de Bibliotecas Comunitárias, realizada em outubro passado, a Biblioteca Comunitária de Bezerros/PE foi a vencedora. Pela magnitude do projeto, totalmente voltado à leitura, com acervo de qualidade compondo uma programação de abrangência e de interesse público – ampla e estrategicamente articulada com setores de promoção do bem comum e distribuição da produção cultural –, onde a literatura foi largamente ofertada e consumida de acordo com a perspectiva e o acolhimento de cada um.

As atividades extrapolaram o espaço da biblioteca e se estenderam por mais de duas dezenas de instituições de ensino, entre públicas e privadas, creches, hospitais, CCI – Centro de Convivência dos Idosos, PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, feiras, praças e shopping.

Gestantes, bebês, crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas hospitalizadas ou enfermas em suas residências, dependentes químicos, cadeirantes, deficientes visuais, educadores, estudantes, agricultores e feirantes, entre outros, compõem o amplo e diversificado público. Foram 8.000 pessoas que Bezerros, município de 50.000 habitantes, mobilizou na ocasião, pondo em marcha um projeto compromissado com a formação de uma cultura leitora desde o ventre materno.

Para dar conta dessa excelente e intensa programação, que visava contribuir para a efetividade de ações locais focadas na formação leitora da população, houve uma sólida articulação com parceiros de diversas instâncias sociais: gestores de escolas públicas e privadas, creches, coordenadores de bibliotecas, representantes das Secretarias Municipais de Educação, Ação Social, Juventude, Turismo, Saúde e CRAS – Centro de Referência de Ação Social e Governo, MALB – Movimento Artístico e Literário de Bezerros, ACEMA – Associação de Comitê de Meio Ambiente, ALAOMPE – Academia de Letras, Artes e Ofícios Municipais de Pernambuco, CDL – administrador do Shopping Bezerros, Casa dos Conselhos Municipais, deficientes visuais e cadeirantes.

À frente das articulações, Maria do Carmo Alves do Nascimento e Graça Jeanne Brainer da Silva foram as responsáveis pelo planejamento, com o apoio de Lúcia de Fátima do Nascimento, que cuidou ainda da organização e do voluntariado, ao lado de Heleno Pereira do Nascimento e Maria Auxiliadora Gomes de Morais.

A divulgação, além do tradicional sistema boca a boca e carros de som, contou com os parceiros Jornal A Notícia do Agreste e Rádio Maria FM – que, além das ações previstas, divulgou o marco da Semana Nacional da Leitura e da Literatura. A sensibilização das escolas parceiras foi reforçada com a ampla divulgação em DVD do documentário A Palavra Conta, do Movimento Por um Brasil Literário: uma prosa boa conduzida pelo querido e saudoso poeta Bartolomeu Campos de Queirós, recheada de depoimentos de leitores de vários cantos do País.

Equipe responsável: Instituto Ecofuturo

Texto: Reni Adriano

Para ir além

Ler e contar: a formação do leitor como um triângulo amoroso – Qual a diferença entre contar história e ler em voz alta, e o que deve ser levado em conta, quando o assunto é a formação de leitores?

Biblioteca universal – No Brasil existem 60 milhões de pessoas com alguma deficiência ou mobilidade reduzida. Se é assim, como diz a deputada federal Mara Gabrilli (que é cadeirante e ativista pela inclusão), a deficiência não está nas pessoas, mas na sociedade que não se articula para comportá-las. Ora, se os serviços devem estar disponíveis para todo, deve-se levar em conta que todos não são iguais… E quando o assunto é biblioteca?

Biblioteca todo dia – Uma biblioteca só está disponível para toda a comunidade na medida em que amplia sua cobertura, abrindo em horários estendidos e aos finais de semana, assegurando o direito à leitura aos que não podem frequentá-la no horário comercial.

Biblioteca faz escolas– Tanto professores quanto alunos devem ser leitores assíduos, e toda relação de aprendizagem, em que aprendem a aprender, é mediada pela integração entre escola e biblioteca, onde ler enriquece e assegura os vínculos.

 

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