10 mar
Literatura e ecologia, uma reflexão
*Artigo publicado no site Promenino Fundação Telefônica
Oikos é casa, em grego. É de onde vem o sufixo “eco” da palavra Ecologia, tão presente no “pântano enganoso das bocas”, parafraseando o grande poeta maranhense Thiago de Melo – está lá escrito no Estatuto do Homem, leitura imperdível para quem não está no mundo a passeio. Logia, sabemos, é ciência. Voilà! Ecologia é, então, ciência da nossa casa. O que, no caso, é o planeta Terra. Voilà de novo, vizinhos de Ibirapitanga, somos duplamente vizinhos: olhando numa grande angular, o planeta Terra. Aliás, falando em lente para aproximação, vejam Zoom, uma experiência de ver imperdível – trata-se de livro de imagem do artista gráfico húngaro Istvan Banyai, uma das várias categorias dos livros literários.
A literatura, como ensina o brilhante escritor argentino Alberto Manguel, viabiliza nossas experiências no tempo e no espaço – uma vez que não podemos nos deslocar (ainda!) de volta ao passado ou visitar o futuro e nem estar pessoalmente em todos os lugares para provar das culturas e das geografias que banham este planeta!
E a literatura, diferente de todas as outras artes, só pode ser acessada com um conhecimento prévio: saber ler! E linguagem é habilidade que se constrói no ventre materno: olha que lindo! É alimento afetivo e estético. A literatura oferece à criança o contato cotidiano com palavras que inspiram, acolhem e promovem a fantasia, preenchem seu mundo de um sentido para muito além das palavras funcionárias do dia-a-dia: senta, levanta, vem, vai, anda, coma… Pelas palavras reconhecemos o mundo e nos situamos nele. Como disse alguém: saímos do ventre da mãe para ingressar no ventre da palavra, de onde não saímos nunca mais enquanto vivermos. Somos, primeiro, leitores de ouvir. Depois, de ler. Então, bora incluir livros e leituras de literatura no enxoval dos bebês. Um jeito bom e encantador de deixar “filhos melhores para este planeta”.
Para entender a íntima conexão entre literatura e ecologia é preciso, antes, reconectar um cordão umbilical que a burocracia humana cortou: ser humano e natureza são organismos indissociáveis. Cuidar de um é cuidar do outro e, como escreveu Daniel Piza em Leituras da Natureza [disponível em PDF], “não existe cuidado sem troca”.
O Sítio do Picapau Amarelo, do genial Monteiro Lobato, criador da literatura infantil e juvenil brasileira, é fonte sem-fim onde a gente vai beber para vivenciar essa relação estreita para muito além dos 5 Rs (repensar, reduzir, recusar, reutilizar e reciclar). Digo isso porque essa noção, apesar do enorme mérito, promove uma conexão burocrática que pode romper e se rompe no primeiro canto da sereia do mercado de consumo.
Quem desconhece as delícias de literalmente se lambuzar num pé de jabuticaba e banhar-se num ribeirão dificilmente suportará a tentação de desejar profundamente o próximo gadget eletrônico a despeito de ser produzido com recursos não renováveis e por meio de trabalho indigno – alguma criança ou adolescente próximo de você está pedindo o novo modelo do iPhone, iPad, iPod apesar de ter passado anos na escola fazendo brinquedo de sucata, geralmente com a embalagem de um produto industrializado que, por vezes, você sequer consome e é obrigado a comprar, descartar seu conteúdo e enviar a escola para que, se for uma garrafa PET, por exemplo, sirva como recipiente para um Saci.
O Saci que, para fazer sentido, deveria estar dentro do coração e não da garrafa, afinal, como disse outro alguém “as palavras que não passam pelo coração não chegam ao céu”. E quem quer que seja o autor estava querendo dizer o mesmo que eu: não será e não é pela vinculação burocrática que faremos desta ideia utópica de ser humano uma realidade de fato. Como dizia Emília: “a vida é um pisca-pisca… Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme… e por fim pisca pela última vez e morre”. Não é genial? Escrito em 1936!
O embate e o assombro na relação entre homem e natureza está nos consagrados clássicos da literatura, como Moby Dick ou Robinson Crusoé, na clássica relação de busca de dominação para a reafirmação da suposta supremacia humana sobre todas as demais espécies. Como está no diálogo mais contemporâneo de Amós Oz, tido como o mais expressivo autor israelense do nosso tempo, em De Repente nas Profundezas do Bosque. Esta narrativa fantástica, falando nos dois sentidos da palavra, trata do degredo que somos capazes de impingir, ao mesmo tempo e com a mesma crueldade, a nós e ao ambiente natural que nos cerca. Ao ponto da naturalização. Ao ponto em que já não somos mais capazes de acreditar que a vida pode ser muito melhor, e será, se cuidada, entendida e acolhida no que tem de mais particular: a diversidade.