25 abr

Ética e meio ambiente

Ética e meio ambiente são os temas na pauta dos desafios da educação no Brasil. Saiba o que pensam o professor Luiz Percival Leme Britto e o educador Magnólio de Oliveira, coordenador de Educação e Comunicação do Projeto Saúde e Alegria.

Fala-se em Educação Ambiental, Ecopedagogia e Educação Sustentável. Estamos usando palavras diferentes para o mesmo significado? Quais são os pontos em comum? 
 
Luiz Percival Leme Britto: Podemos acreditar que todas essas formas se referem a um tipo de educação em que se considere a vida como bem humano maior — entendendo “vida” num sentido histórico, e não meramente biológico, em que a “natureza” se faz humana e existe em função do humano. Essa educação implica necessariamente valores fundamentais, de forma que não se confunda com uma educação técnica ou de simples estabelecimento de procedimentos apropriados, ainda que os suponha.
 
Magnólio de Oliveira: Quando se fala em Educação Sustentável, está se falando apenas de um tipo de conhecimento. A Educação Ambiental, por sua vez, fala sobre a representação social, a angústia da cidadania. Não se refere apenas ao meio ambiente como muitos pensam; hoje, implica a tentativa de mudar o pensamento antropocêntrico do homem para mostrar que ele faz parte da natureza e, por isso, tem de obedecer aos princípios ecológicos e à diversidade. A Ecopedagogia vem a ser uma Pedagogia concebida a partir dos princípios ecológicos. Os três conceitos podem ser confundidos pela similaridade das palavras, mas, na verdade, ampliam-se e melhoram o entendimento de um todo: justiça social, proteção ambiental e desenvolvimento sustentável.
 
Onde e quando começa o aprendizado para a cultura da sustentabilidade?
 
LP: Idealmente, no mesmo momento em que a pessoa se insere na vida e na História, isto é, desde o nascimento. Claro que isso significa pensar um modo de cultura em que os valores essenciais da vida humana, que supõe a intervenção na natureza de forma a ampliar as possibilidades e os recursos de criação de alternativas de viver em liberdade e criatividade, estejam incorporados pelos diversos grupos sociais e instituídos no âmbito da lei e da política. A educação escolar, pensada em sua especificidade, é um importante instrumento para que essa cultura se faça e se firme, mas não basta para que exista.
 
MO: Começa em casa; tudo começa na célula-máster da sociedade. A sustentabilidade ocorre o tempo todo: no cuidado com o próximo, no respeito ao vizinho, até chegar à relação com a natureza. O estudo de Educação Ambiental precisa olhar as relações existentes, devendo transformá-las para que sejam sustentáveis.
 
Como superar os desafios da educação no Brasil, incluindo o analfabetismo funcional, e ao mesmo tempo priorizar o ensino de uma cultura para a sustentabilidade dentro das salas de aula?
 
LP: A superação do analfabetismo funcional pode ser pensada em duas dimensões distintas — talvez até antagônicas. No plano tecnicista, a expansão da educação se vincula às demandas de mercado — produção e consumo —, sem que haja transformação na ordem social, que gera, por um lado, a pobreza e a destruição e, por outro, a ignorância e o consumismo. Em outras palavras, o alfabetismo se relaciona com a capacitação e o ajuste dos indivíduos às tendências produtivas e ideológicas do sistema. No plano político, a expansão da educação se relaciona com a constituição de uma nova ordem social — legalmente instituída e política e culturalmente hegemônica —, de modo que se aprende para viver e se produz para fazer a vida. Obviamente estamos muito longe dessa situação, o que significa que, no plano da educação escolar, ocorre o embate entre as duas tendências. Infelizmente, parece-me que a primeira, de caráter mórbido, tem predominado.
 
MO: A escola precisa se modernizar e acompanhar a juventude, que é um elemento de transformação por meio da alegria. Na escola moderna todos deverão ser professores e todos deverão ser alunos; devem-se utilizar as formas alternativas de educação, seja lúdica, seja pela discussão de grupo ou qualquer outra possibilidade criativa.
 
Que sugestões os senhores dariam para o educador que se vê no dilema de precisar encantar e vivenciar Educação Ambiental com seus alunos dentro de uma realidade que, na prática, contradiz os princípios de sustentabilidade?
 
LP: A primeira sugestão é a de compreender que se trata de uma luta política mundial de interesse coletivo. Em segundo lugar, de reconhecer que a “natureza” não se opõe ao que é produzido pela humanidade: não há natureza sem os seres humanos nem faria sentido preservar a matéria em si se a humanidade não se beneficiasse com isso. Dessa forma, há de se perceber que certos discursos de defesa da natureza fazem parte de uma estratégia ideológica de dissimulação do principal problema: a forma como se constitui a lógica atual de produção e consumo e a cultura do individualismo e da competitividade. Sim, todos somos responsáveis pela construção da vida e de sua manutenção, e isso certamente diz respeito a tudo — desde alguém jogar um papel de bala na rua até a grande indústria destruir a camada de ozônio. Não somos, porém, igualmente causadores dos males e distúrbios, de forma que identificar os responsáveis e lutar contra sua política é dever de quem está comprometido com os princípios da sustentabilidade.
 
MO: Hoje, na escola, alguns são professores e outros estão professores. Precisamos de professores com compromisso de militância, para formar alunos autônomos, mais críticos, criando um ambiente para manifestação, a permitir que as pessoas se expressem de formas múltiplas, e não só escutem. Para isso, pode-se usar música, expressão corporal, atividades artísticas e outras modalidades.
 
Como a literatura pode levar educadores e educandos a tomar consciência de seu potencial criativo e transformador?
 
LP: Podemos entender a literatura como uma forma fundamental de conhecimento. Não se trata de dizer que não se preste a outras funções, como o entretenimento, o estímulo subjetivo, o didatismo — coisas que ocorrem com a literatura, independentemente da minha vontade ou decisão. É preciso, porém, reconhecer que o que a literatura oferece de mais significativo é a possibilidade ímpar de uma pessoa conhecer a vida, o mundo e a si mesma. Na lógica da existência moderna, o tempo do entretenimento é o tempo de consumo ligeiro, sem “responsabilidades”: de distração, evasão e gozo imediato. Há, portanto, um conflito indissolúvel entre a literatura que se faz para conhecer a vida e a literatura para o simples entretenimento, sem compromisso existencial, em que se busca a satisfação e, em certa medida, o esquecimento. A arte alienada se faz pelo abandono da crítica, correspondendo à condição de quem, imerso num mar de banalidades, se encontra sem condição de produzir indagações filosóficas e de tomar consciência dessa condição. A literatura constitui uma possibilidade, pela convivência com a contínua produção e a circulação de percepções e indagações inusitadas. Nesse sentido, opõe-se à indústria do entretenimento, o que não significa dizer que não deva ser leve, exata, múltipla.
 
MO: O despertar e o prazer da leitura abre um mundo à sua gente, como uma cortina de teatro, infinitas possibilidades que devem ser esgotadas. A literatura é tudo. O professor deve criar formas de trazer os alunos para a literatura, criando possibilidades diversas, como a de fazer um livro sobre a classe, um manual sobre a escola ou um livro da história da escola.
 
O tema da sustentabilidade a cada dia se confirma como um dos pilares da educação do futuro, mas até que ponto um desenvolvimento sustentável está nas mãos da educação?
 
LP: A educação é parte da História e se faz por pessoas concretas, que expressam valores e defendem interesses. Assim, um poder político hegemônico buscará impor à educação limites tais que não o ameacem; melhor ainda se conseguir pô-la a seu serviço. Esse é o grande embate em que se encontra a educação institucional, formal: como conseguir fazer avançar a luta pela vida e pelo direito de todos, o que inclui a construção de ambientes saudáveis e auto-sustentáveis, num modelo de sociedade em que prevalece o interesse privado, o privilégio e a desigualdade? Essa contradição aparece continuamente no cotidiano social e escolar, e certamente a educação escolar pode contribuir para o desenvolvimento das consciências, mas não tem o poder de mudar a realidade.
 
MO: O desenvolvimento sustentável é um conceito multidimensional, não só do âmbito educacional. Para que ocorra, é preciso haver o desenvolvimento econômico, político e cultural, em que entra o desenvolvimento educacional e o social, além do ambiental e cívico.
 
O que a família, a escola e os educadores podem fazer para que as crianças aprendam a selecionar o que é realmente sustentável em suas vidas?
 
LP: Já falamos bastante sobre a escola e os educadores. Falemos, então, das relações familiares. Desde logo, é preciso cuidar para que não se raciocine em função de um modelo único de família, algo que, curiosamente, o capitalismo atual destrói objetivamente, porque não corresponde mais às necessidades de produção e consumo, mas sustenta ideologicamente, na justa medida em que a imagem de “família sagrada”, “família unida, ordeira e feliz” contribui para as consciências se conformarem, no duplo sentido que essa palavra permite, à ordem instituída e acreditarem que através dela se fará a felicidade humana. Pois bem, a lógica de família tem de incluir as várias possibilidades de relacionamento e de dependência interpessoal, o que significa falar principalmente no estabelecimento de identidades. De alguma forma, há de se construírem pequenos consensos capazes de atravessar a diversidade de formas de ser no mundo, o que implica uma dimensão coletiva e múltipla de relações humanas. Essa “família” será tão mais capaz de formar as pessoas para a vida quanto mais tenha assumido a vida como valor.
 
MO: Voltamos à questão da educação, que considero de berço. Imagine que, quando não havia escola, todo mundo aprendia e ensinava. A vida é única, repleta de situações que unem e ensinam, como o amor, o trabalho, a alegria. A educação é responsabilidade da família ampliada: todo mundo é pai de todo mundo, todo mundo é aluno de todo mundo, todo mundo é filho de todo mundo e todo mundo é professor de todo mundo. È necessário que as pessoas entendam isso e passem a se respeitar mais. Vou acabar com uma frase de que gosto muito e que também diz muito sobre a sustentabilidade: “A educação transforma a coisa bruta em ouro”.

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