31 ago
Entrevista com o escritor Bartolomeu Campos de Queiroz
Bartolomeu Campos de Queirós nasceu na cidade de Papagaio, no interior de Minas Gerais. Peregrino de corpo e mais ainda de alma, viajou o mundo e hoje vive em Belo Horizonte. Melhor dizendo, ele mora na capital mineira porque vive a voar para longe de tudo o que possa ser contido, limitado, rotulado – talvez por terem sido as paredes da casa de seu avô o seu primeiro caderno. Enfrentar os limites de um papel pode ter sido difícil, mas resultou no premiado* escritor que sabe embrulhar para presente os mais belos, sutis e indizíveis sentimentos humanos com a paciência feliz de quem ama a musicalidade das palavras que não podem ser buscadas; apenas podem ser encontradas por gente sábia e rara como Bartolomeu Campos de Queirós.
Ecofuturo
–Em sua opinião, onde e quando começa o aprendizado para uma cultura sustentável? Como e por que a literatura pode contribuir para esse aprendizado?
Bartolomeu de Campos Queirós – O aprendizado começa desde o primeiro instante de vida. Todos somos seres de relações e dependemos do mundo para viver. Procuramos instintivamente nossa sustentabilidade na medida em que ansiamos pela vida. Por ser assim, tudo o que nos garanta a sobrevivência merece nosso respeito e proteção. É preciso ser sensível para participar dessa poesia que circula entre os elementos da natureza dada e as transformações operadas pelos humanos. Viver é sempre aprender a conviver com os mistérios. O saber que muita coisa não está ao alcance do conhecimento humano nos torna cuidadosos para não invadir o desconhecido. A sustentabilidade está ligada ao valor que atribuímos à existência. A literatura, por não ignorar a fantasia, por nascer da necessidade de perguntar ao leitor sobre as questões que afligem a vida, torna o sujeito mais atento e refinado diante do mundo. A literatura nos abre para outras perguntas. Daí compreender sua importância para construção de uma passagem mais digna pelo mundo e a preservação deste mundo.
Ecofuturo – Como a leitura pode levar educadores e educandos a tomar consciência de seu potencial criativo e transformador?
Bartolomeu – A literatura concorre para que educadores e educandos venham a tomar posse da importância da fantasia para desenvolvimento do universo. Na medida em que reconhecemos que todo real é uma fantasia que ganhou corpo, que antes morou na fantasia de alguém, é que adjetivamos sua importância. A literatura vai estabelecer um diálogo com a fantasia do leitor. Desse diálogo profundo, pois a fantasia é o que há de mais íntimo em nós, é claro que um novo mundo vai surgir. É preciso compreender que a escola não pode ser apenas uma entidade consumidora. Deve ser, paralelamente, um espaço investidor. A fantasia nos garante isso. E investir movido pela arte é ir em direção ao afeto, à beleza.
Ecofuturo – O tema da sustentabilidade a cada dia se confirma como um dos pilares da educação do futuro, mas até que ponto um desenvolvimento sustentável está nas mãos da educação?
Bartolomeu – A escola não pode ser responsável por tudo e nem é sua função. Acredito que seu trabalho seja o de mobilizar o educando para escolher seu destino com conhecimento e reflexão. Um desenvolvimento sustentável, para mim, é como a ética. São comportamentos para serem vividos, praticados, exercidos, por toda a sociedade – mas a escola, ao buscar a formação crítica do aluno, tem grande parcela neste aspecto.
Ecofuturo – O que a família, a escola e os educadores podem fazer para que as crianças aprendam a selecionar o que é realmente sustentável em suas vidas?
Bartolomeu – Tanto família como escola, como toda a sociedade, devem viver em harmonia com seu entorno, fazendo de tudo para apreender o que cada elemento, cada objeto nos tem a ensinar. “Ler o mundo” é a alfabetização mais necessária e complexa; é estar atento, todo o tempo, diante deste grande livro sem texto que é o mundo e seus enigmas.
Ecofuturo – Os livros que você escreve refletem um estado de espírito de um momento específico de sua vida? Como se dá a escolha do tema que você vai abordar?
Bartolomeu – Escrever é procurar parceiros para decifrar a intensidade dos mistérios. Escrever é “não saber” e recorrer ao leitor para nos ajudar a decifrar o mistério que inaugura o escritor. Cada livro é um momento, é uma interrogação, é a busca de uma conversa. Escolher um tema é dar corpo ao que sufoca, é buscar razão para a fantasia, é dar forma ao imaginário. Escrever, digo sempre, é abrir a porta sabendo que o resto da paisagem está no coração do leitor. E mais: escrever é tomar posse dos limites.
Ecofuturo – Percebemos em sua obra uma presença forte dos animais. Quais seriam os livros que você citaria como mais representativos dessa influência? Pode-se atribuir essa relação a vivências de sua infância?
Bartolomeu – Gosto dos animais. Eles me intrigam, me questionam pelo seu trabalho, pelos seus instintos. Tomá-los como objeto para reflexão é mergulhar em grandes segredos. Encantam-me os meios com que todos os seres vivos lutam para se sustentar. Alguns livros são também escritos para levar o leitor a perceber que todos os nomes são também compostos. Aponto As patas da vaca, Formiga amiga, O pato pacato, Bichos são todos bichos e Somos todos igualzinhos. Todos nascem de pequenas observações minhas em torno da palavra e da fantasia. De fato, minha vivência de criança no interior, perdido entre rios, matas, silêncios, concorre para ser assim.
*Bartolomeu Campos de Queirós recebeu o Selo de Ouro da FNLIJ, o Prêmio Bienal de São Paulo, o Prêmio Prefeitura de Belo Horizonte, Jabuti e muitos outros.