22 nov
Como domar um Leão
Ele não é Junior Cigano, José Aldo nem Anderson Silva,
mas é um lutador. E um campeão.
Há alguns dias tive a chance e a honra de participar de uma pequena cerimônia de entrega de prêmios. Tratava-se de um concurso literário criado há sete anos pelo Instituto Ecofuturo, entidade que se dedica a fomentar projetos na área de educação e de preservação ambiental.
Dividi com figuras como Ignácio de Loyola Brandão, Jair Ribeiro, Gustavo Ioschpe e Antônio Maciel Neto a gratificante tarefa de entregar os troféus. A premiação engloba diferentes públicos. De crianças do ensino fundamental a adultos e professores. Entre outras boas surpresas, descobri que a mim caberia premiar uma categoria especial, a que selecionava as melhores redações escritas por internos do sistema prisional. Com enorme honra, entreguei os troféus a mães, esposas, pais ou irmãos de presos. As expressões em seus rostos eram difíceis de descrever. Navegavam entre o profundo orgulho, uma alegria contida e uma grande dose de dúvida sobre o que sentir. Quando tive o microfone nas mãos, saudei a iniciativa. É que não me lembro de ter visto nos últimos anos praticamente nada voltado ao universo do sistema prisional que não fossem reportagens relatando o inferno em que as cadeias brasileiras se transformaram ao logo das décadas. No mais, apenas descaso. Como se a ideia de isolar os criminosos em masmorras medievais onde não existe nenhuma possibilidade de reeducação fosse uma mágica que nos livraria dos problemas sociais que geram a criminalidade.
Há cerca de 30 anos, fui pela primeira vez a um presídio. Como estudante de direito, era fácil conseguir acesso. Fui assistir a uma peça de teatro encenada no Carandiru. Alguns anos depois, voltei ao local, já como jornalista, para entrevistar o então diretor do presídio Luiz Wolfman. Entre outras iniciativas, Luizão havia instalado na cadeia uma academia de boxe mesmo na mais absoluta precariedade, começava a gerar campeões e atletas de nível profissional. Mais tarde, uns nove anos atrás, voltei ao mesmo sistema do Carandiru, para visitar o então “reeducando” Luiz Alberto Mendes. Preso ainda jovem e analfabeto, graças a alguns programas pilotados por voluntários da PUC e à sua enorme força de vontade e talento, ele havia conseguido escrever e publicar um livro interessantíssimo com o título de “Memórias de um Sobrevivente”. Combinei com ele que Luiz assinaria uma coluna mensal na “Trip”, para que pudéssemos, dentro de nossas limitações, produzir uma ponte entre o mundo livre e o encarcerado. Mendes está livre há cerca de oito anos, continua assinando sua coluna na revista, publicou mais três livros, ministra palestras e cursos, esteve pelo menos duas vezes no programa de Jô Soares e participa de iniciativas de reeducação de presos aqui e ali, proporcionadas por órgãos como o próprio Ecofuturo e pelo Funap.
O sujeito da foto ao lado foi gerente de tráfico num morro carioca, usuário de cocaína e outras drogas e um dos líderes do Comando Vermelho no sistema prisional. Hoje Fabio Leão acumula três títulos de campeão brasileiro de muay thai. Por meio do esporte que descobriu na cadeia e aperfeiçoou com a ajuda da juíza Thelma Fraga, criadora do projeto Grão, tornou-se não só atleta de elite, mas também palestrante motivacional, professor de boxe tailandês para crianças na comunidade de Vila Kennedy, onde vive e ainda inspiração para um filme, longa-metragem que será rodado sobre sua vida.
Agora que a Globo e boa parte do país descobriram e elegeram ídolos como Junior Cigano, Anderson Silva e outras feras da luta como referências de sucesso, seria muito bom que pudessem descobrir Fabio Leão.
E, mais do que isso, que percebêssemos que, enquanto trancarmos equivocadamente quem comete crimes em calabouços sem nenhum acesso a condição mínima de sobrevivência, trabalho e alguma educação, vamos continuar pagando o altíssimo preço e sofrendo as consequências de manter uma universidade de alta eficiência especializada na bestificação humana em escala industrial.
Se quiser saber mais detalhes sobre a história de Fabio Leão, clique em http://bit.ly/fabioleao.
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O escritor Luiz Alberto Mendes, citado no artigo acima, é colaborador do Instituto Ecofuturo, fazendo consultoria em projetos culturais destinados à população carcerária, entre outros trabalhos. Abaixo, uma entrevista com o autor no Programa Provocações da TV Cultura de São Paulo.