05 nov

Biblioteca Comunitária Espaço Jovem Alexandre Araújo Chaves

Como nasce uma biblioteca? De muitas formas. Em um país ainda tão deficiente em ofertas de leitura, às vezes nasce quase que por acaso. Às vezes, no improviso. Porque, ao contrário do que se difunde exaustivamente por aí, os brasileiros querem ler. E ávidos de ler é que muitas vezes esses brasileiros decidem eles mesmos construir suas bibliotecas, e ao longo do tempo e na prática é que vão descobrindo e ajudando a construir o significado de uma biblioteca pública.
Assim nasceu a Biblioteca Comunitária EJAAC, no Valo Velho, Capão Redondo, na Grande São Paulo.
Era 1996. Um grupo de adolescentes da Pastoral da Juventude sentiu falta de um espaço em que eles pudessem se encontrar, se distrair e se instruir coletivamente. Seis jovens em especial, junto a um padre. Eles não tinham dinheiro para comprar livros, nem acesso a bibliotecas para tomá-los de empréstimo. Mas queriam que suas lideranças tivessem acesso a esses materiais, que eles mesmos tivessem uma visão mais crítica do mundo e que suas atitudes de movimento social no bairro ganhassem um marco. Alguns deles eram leitores, outros nem tanto. Mas todos queriam ler. Então, inventaram uma biblioteca.
Espaço muito adequado também não tinham. Mas a biblioteca estava inventada e precisava ser sediada em algum lugar. Foram para uma sala ao fundo da casa paroquial, um canto meio escondidinho. Faltavam os móveis. Fizeram uma rifa e, com o dinheiro arrecadado, compraram alguns poucos móveis, os primeiros. O resto foi sendo doado pela comunidade. E doavam de tudo, inclusive coisas que não serviam. Inclusive livros – dos que serviam e dos que não serviam. Entre os bons de ler, O Operário em construção e outros poemas do Vinícius, que caiu no gosto e na predileção de um dos adolescentes.
Inventada, sediada, mais ou menos equipada e já até com livros, a biblioteca ganhou um nome: Espaço Jovem Alexandre Araújo Chaves, em homenagem a um jovem amigo que partiu muito cedo, antes do combinado. E não tinha a palavra “biblioteca” no nome? Não, não tinha. Eram muito moços, se distraíam. Alguns até achavam que “biblioteca” no nome podia espantar as pessoas.
O xodó deles era aquilo que eles mesmos conseguiam comprar, mesmo sendo pouco. No começo, livros que ajudavam na formação: como lidar com jovens, temas específicos com que estavam trabalhando na pastoral… Mas eles queriam um acervo mais variado.
Inicialmente, o espaço só abria aos sábados e domingos, pois era o tempo de que dispunham, voluntários. Faziam empréstimos, e não só entre si, mas para toda a comunidade. Ou melhor: toda a comunidade é exagero, porque pouca gente sabia da novidade: além de ficar em um espaço escondido, a “coisa” se chamava biblioteca e ainda ficava numa igreja – imaginem o desafio! Em todo caso, toda reunião que aparecia marcavam para aquele espaço, para as pessoas conhecerem. E assim, vivendo, aprendendo no fazer, organizando, conseguindo, catalogando, emprestando livros, seguiram até o ano 2000.
Até o dia em que a paróquia trocou de padre e o vigário novo, nem aí para livros, nem aí para os meninos, fechou as portas da biblioteca e fim.
 Fim?
O fim durou oito anos seguidos. Tempo suficiente para aqueles meninos não serem mais tão meninos. Tempo suficiente para que outros meninos pudessem ter descoberto o gosto dos livros.
Aí, aquele que um dia se apaixonou pelo “Operário em construção” do Vinícius, e que nem era mais da Pastoral da Juventude, mobilizou um novo núcleo de jovens e montou a biblioteca outra vez. “Foi um parto conseguir uma nova sala”, contam. Mas pariram: através de um convênio com a prefeitura de Itapecerica da Serra, restauraram uma sala, ainda na paróquia, mas em lugar mais visível. O material da antiga biblioteca estava bastante deteriorado, mas era o que tinham. As doações novamente chegavam, novas velhas coisas, das que serviam e das que não serviam…
Mas a ideia de biblioteca já era mais ampla. Desde o recomeço da empreitada, o foco era toda a comunidade – uma biblioteca para todos, fossem homes, mulheres, idosos, adultos, meninas ou meninos. Retomaram o antigo nome, mas agora com “biblioteca” no meio – ou melhor, no início: “Biblioteca Comunitária Espaço Jovem Alexandre Araújo Chaves”, a EJAAC.
A duras penas, retomaram o trabalho. E continuaram aprendendo. Aprenderam, primeiro, que a grande maioria das crianças estava na igreja aos sábados pela manhã, na catequese – e era justamente nesse horário que a biblioteca não abria. Voluntários, se organizaram entre si para atendê-las.  E queriam aprender mais: viabilizar e aperfeiçoar o acesso das pessoas. Então estudaram, leram cartilhas, assistiram a palestras, vídeos, visitaram outras bibliotecas comunitárias… Aí surgiram contação de histórias, programação especial de férias com teatro, música, rodas de leitura…
Mas problemas com voluntários eram frequentes. Não que não tivessem boa vontade – não tinham dinheiro; as pessoas precisavam trabalhar. Então, a biblioteca não conseguia garantir um quadro de atendimento fixo. “A pior coisa é você chegar em algum lugar e estar fechado. E era isso que acontecia. Estávamos perdendo a nossa credibilidade. Então, nem divulgávamos mais!”, conta Jair Pires – o menino apaixonado pelo operário do Vinícius.
Então, em 2011, e com todas aquelas buscas e estudos, eles aprenderam a escrever projetos. Ganharam o edital de Valorização de Iniciativas Culturais – VAI, da prefeitura de São Paulo, com um incentivo financeiro de 23.000 reais. Comemoraram: “Agora, podemos divulgar a biblioteca novamente!”, “Pagar uma ajuda de custo para um voluntário!”, “Comprar mais livros!”. Se deram ao “luxo” de comprar até displays para a exposição do novo acervo: “As pessoas vão ver os livros novos não pelas lombadas, mas pelas capas!”. E viram. Ficaram maravilhadas: “Nossa! Tem tudo isso aqui?! Tem livros bons desse jeito!”.
“A gente quer o espaço que as pessoas merecem. A gente não quer um espaço só de livros, nós queremos um espaço de gente”, diz Jair, emocionado. E Ana Paula, uma jovem que liderava um grupo de crismandos, andava com Drummond a tiracolo pelos corredores da escola – que não tinha biblioteca – e que foi selecionada como voluntária da EJAAC, concorda. Ela trabalha com entusiasmo atendendo às pessoas, de segunda a sábado. “Tem aluno que foge da catequese e vem para a biblioteca”, diz ela, rindo.
Os outros voluntários são Naja,Wellington, Maria Isabel, Daiane, Maikon e Lúcia. Assim, as tarefas são dividas, entre comunicação, contação de histórias e leitura, entre outras coisas. Muitas coisas. Contam ainda com o apoio de Alexsandra, voluntária da Fundação Brasil Campeão que promove rodas de leitura com crianças e adolescentes do abrigo Lar São Tiago.
 Foto do blog da Biblioteca EJAAC: a mediadora Elaine lê para crianças
2014 vem aí
Neste ano de 2013, a Biblioteca Comunitária EJAAC contou com novo patrocínio do VAI, no valor de 25.000 reais. Em 2014 não contarão mais com o incentivo. Mas já miram outras possibilidades de apoio: o VAI 2, recém-aprovado pela Câmara Municipal, o Edital de Apoio a Bibliotecas Comunitárias e Pontos de Leitura do MinC e crowdfunding. Mas, com apoio ou sem, manterão as atividades de incentivo à leitura e de acesso e produção cultural no bairro, com rodas de leitura e contação de histórias, garantem.
“Pretendemos também manter e ampliar as parcerias que fizemos este ano, como a Associação de Amigos de Bairro e o abrigo Lar São Tiago, que têm nos propiciado novas aprendizagens. Por fim, continuaremos nos formando em mediação de leitura, procurando estar presentes, ou no mínimo apoiar as iniciativas de políticas públicas, como o Plano Municipal do Livro e Leitura – PMLL, entre outras. Vamos continuar construindo não um espaço de livros, mas um espaço de gente que tem direito à leitura, à cultura, ao convívio fraterno e solidário”, Jair arremata.
E seguem construindo. Como aquele operário do poema do Vinícius.
Na imagem acima, a moça que andava com Drummond pelos corredores da escola que não tinha biblioteca e, à direita, o moço que se apaixonou pelo operário do Vinícius. Ao centro, o ilustrador Fernando Vilela.
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