04 fev
Agricultura urbana espalhe as sementes
Quando a sua avó era criança, há mais ou menos 70 anos, apenas um terço dos brasileiros vivia nas cidades. De lá para cá, a indústria brasileira cresceu, estradas e telecomunicações integraram o país e nos transformamos numa das nações mais urbanizadas do mundo, com 85% de casas erguidas em zonas urbanas. Criar e recuperar espaços públicos está entre as várias soluções para os problemas complexos das cidades, como poluição, calor, alagamentos e carência de áreas naturais e de convivência. Nesse sentido, a agricultura urbana é uma inciativa que irradia mudança porque mexe no aspecto social, ambiental e econômico do lugar. Quer ver?
Imagine uma praça pouco ou nada frequentada, um canteiro que ninguém dá bola na escola, a área verde gramada do prédio e um terreno abandonado. Todos espaços desperdiçados, mas potencialmente acolhedores de cenouras, alfaces, brócolis, manjericão, tomates, milho, feijão, flores, passarinhos, abelhas, beleza, gente grande e gente pequena. A agricultura urbana é tão antiga quanto o nascimento das cidades, quando os limites entre rural e urbano não eram definidos. Muita gente plantava e não morria desnutrido ou de tédio. Minha avó tinha no quintal alguns pés de milho ao lado de feijões, que fornecem nitrogênio ao solo, e abóboras com grandes folhas, que mantem a umidade do solo. Podia chover cântaros que tinha terra suficiente para absorver a água. Tinha sombra e aroma. Quando dava muita escarola, ela trocava com a vizinha por salsinha, mexerica ou o que tivesse em abundância.
Plantar na cidade é ter uma fonte de abastecimento local, com alimentos mais frescos, deslocamentos mais curtos e portanto, menos poluente. É também uma forma de gerar trabalho e renda, promover segurança alimentar e melhorar a qualidade nutricional. Na zona leste de São Paulo, o projeto Cidades Sem Fome http://cidadessemfome.org/pt/ implantou 23 hortas comunitárias em terrenos baldios e que hoje geram renda de quase mil reais para 700 pessoas que viviam na pobreza. Uma iniciativa grandiosa que precisa urgente de reconhecimento e apoio para continuar de pé. Experiências como essa também ajudam a refazer vínculos comunitários ao criar situações de encontro e trocas diversas. “Ei, você sabe como posso adubar esse canteiro aqui?”, “Pode me emprestar essa ferramentas?”, “Nossa, que tomates bonitos. Como faço para plantar uns assim?”. Quando um lugar é cuidado, ele inspira confiança e fica mais seguro.
Infelizmente, o hábito de cultivar alimentos está desaparecendo nas cidades pequenas mas, em contra partida, floresce em cidades médias e grandes. No cruzamento da avenida Paulista com a rua da Consolação tem uma praça. Toda última sexta feira do mês, um monte de ciclista se concentra ali para a tradicional bicicletada. No resto do mês, a Praça do Ciclista era pouco usada e mal cuidada. Faz um ano, uma intervenção coletiva criou uma horta, com caminhos entre os canteiros e plantas com o poder de desintoxicar o solo. Estava criada a Horta do Ciclista( http://pt.wikiversity.org/wiki/Horta_do_Ciclista ). Começaram os mutirões, com voluntários assíduos e esporádicos, que plantam e cuidam de temperos, verduras, legumes, flores e movimentam a praça dia-a-dia, com seus apetrechos nada usuais na cidade: enxadas, botinas, baldes de terra. Pessoas de vários cantos do mundo surpreendem-se com o inusitado: o uso equitativo da cidade e o cultivo de alimentos em pleno coração financeiro de São Paulo.
Comemorando também um ano de vida, a Horta das Corujas, http://hortadascorujas.wordpress.com/ em São Paulo, mostra como podemos nos valer da paisagem e da sabedoria rural para melhorar o espaço urbano. Parte da praça onde está a horta já foi um pequeno sítio, e, acredite, teve preservada algumas características originais. O bananal, por exemplo, está ao lado da área alagada, criando uma relação de cooperação: ao mesmo tempo se hidratam, as plantas filtram a água. Em mutirões, a turma instalou uma cacimba bem no charco, que é um reservatório de água potável para a rega dos canteiros. Há também uma composteira na horta, que devolve em adubo a poda dali mesmo. Esses são apenas exemplos do bom uso dos recursos naturais. As escolas do entorno já sacaram que educação ambiental se aprende na prática e levam os alunos para cuidarem de seus canteiros.
Desde que começou, a Horta das Corujas tem uma paisagem diferente mês a mês. Novos canteiros aparecem, outros não vingam, há dias com mais gente trabalhando, mudam as estações e algumas plantas encerram seu ciclo, outras prosperam e a cena jamais se repete. Celebram-se aniversários na praça, realizam-se festivais, oficinas de agricultura, recreação infantil, feira de trocas, degustação gastronômica. Noto que algo está acontecendo na vida do paulistano: uma alegria contagiante em ocuparmos o nosso espaço público. Será uma micro revolução? E você, o que vê acontecer no seu pedaço?
Autora: Tatiana Achcar