04 abr

ESCREVEMOS PARA DIZER QUEM SOMOS

Todo dia era domingo para Paula Corrêa. “É preciso distanciamento. Uma vez mais um domingo, é hoje. É preciso que passe. Não adianta tomar sorvete. É dia de lacuna e do silêncio. Olho o telefone algumas vezes pensando que posso ligar para alguém. Sempre me engano e quase disco um número que não existe mais. Não tem macarronada feita com molho de tomate fresco. Nem a paisagem, nem as árvores balançando, nem o barulho de crianças brincando na praça. Passo o dia como um refugiado, com vontade de voltar para casa, mas sem casa para voltar”, diz ela no livro “Tudo o que Mãe Diz É Sagrado”.

O tempo parou para Paula naquele dia em que o telefone tocou. “Talvez tenha sido eu. Foi minha mãe que morreu há pouco, com um pouco de mim. Ou talvez tenha sido muito.” Paula ainda se recuperava da cirurgia que tinha tirado 65% do seu fígado para ser transplantado para a sua mãe na esperança de salvá-la.

Quem não morreria por uma mãe? Clarice nasceu. “Fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa culpa: fizeram-me para uma missão e eu falhei”, diz Clarice Lispector no livro “A Descoberta do Mundo”, de 1968, que reúne crônicas da autora publicadas no Jornal do Brasil.

Morrer, nascer. E como renascer? O escritor Luiz Alberto Mendes passou 30 anos preso, mas fugiu. Fugiu de uma vida condenada ao preconceito, a dor e o lamento por meio das palavras. “O que acontecia comigo era simples. Possuía um conhecimento do mundo. Ao aprender a ler e assim entender melhor esse mundo, tal conhecimento não se sustentava. Só me restava fazer uma releitura e reinterpretação desse mundo. Simples”, conta ele no livro “Memórias de um Sobrevivente”.

Somos todos sobreviventes num mundo caótico. O lado bom dessa moeda é que o caos é o berço da criatividade, como concretizou o artista Auguste Rodin na sua obra inacabada “A Porta do Inferno”. Foi de lá que ele tirou suas principais esculturas, como “O Pensador” e “As Sombras”.

Não é todo dia que faz sol. Não são todos os dias de sorriso. Não é o domingo de todo mundo um dia feliz. Mas a palavra salva. Transforma, resignifica, faz arte, te põe de pé, aproxima, cria laços, anuncia um novo mundo e conecta as pessoas na rede de construção desse mundo bom que queremos para todos. E não te deixa só.

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